Saúde mental em meio prisional

A aplicação de recursos nesta área será uma medida do interesse e do esforço para consolidar a pena de prisão como uma oportunidade reabilitadora.

A tese de Doutoramento do Dr. Miguel Cotrim Talina avalia a necessidade de cuidados em reclusos com perturbação mental. Neste artigo partilhamos consigo algumas das recomendações que resultam deste estudo alargado que teve como principais objetivos:

  • Caracterizar os reclusos assistidos em serviços de psiquiatria nas dimensões sociodemográfica, clínica e forense.
  • Avaliar as necessidades de cuidados nos reclusos assistidos em serviços de psiquiatria.
  • Comparar as necessidades de cuidados destes reclusos com as necessidades de cuidados dos indivíduos civis assistidos em serviços de psiquiatria.
  • Validar o instrumento de avaliação de necessidades de cuidados.

 

Recomendações finais:

Os problemas de saúde mental dos reclusos, na sua generalidade, iniciam-se ou são agravados no contexto prisional. Estes problemas encontram-se interconectados com comportamentos de risco ou deletérios, como as auto-agressões, o suicídio e o consumo de drogas.

Uma parte substancial das perturbações mentais tem um tratamento acessível mas, sem terapêutica, a evolução é progressiva e reservada. Os danos individuais e sociais serão de médio a longo prazo e por este motivo raramente são alvo de avaliação. No próprio sistema prisional os reclusos com problemas de saúde mental constituem uma dificuldade acrescida e poderão ser catalisadores de forte perturbação do enquadramento institucional.

Os comportamentos suicidários são comuns na prisão e podem assinalar uma perturbação individual ou uma alteração no ambiente prisional. Após cada ocorrência, origina- se uma “onda de choque”, envolvendo reclusos e profissionais, tanto maior quanto maior for a gravidade do acto.

Após o cumprimento, parcial ou total, da pena a reintegração social é um processo complexo que envolve muitas dificuldades para o indivíduo e para a comunidade. Uma saúde mental vulnerável no recluso limitará, seguramente, a utilização dos recursos pessoais e a capacidade de beneficiar dos apoios neste processo.

O investimento em cuidados dirigidos aos problemas de saúde mental poderá ter um efeito multiplicador nos resultados obtidos a curto e a longo prazo. A aplicação de recursos nesta área será uma medida do interesse e do esforço para consolidar a pena de prisão como uma oportunidade reabilitadora.

Sob esta perspectiva enunciam-se algumas recomendações decorrentes da reflexão e dos resultados do presente estudo:

1. Os reclusos em acompanhamento psiquiátrico possuíam condenações múltiplas em cerca de 50% dos casos e deverão ser considerados um grupo de risco para a reincidência criminal.

2. A avaliação do estado mental deverá ser efectuada à entrada na prisão, com particular ênfase na avaliação do risco de suicídio/auto-agressão e consumos toxicofílicos.

3. O risco de suicídio foi significativamente superior no grupo dos reclusos condenados, em relação aos reclusos em prisão preventiva. Para além da avaliação à entrada é necessário monitorizar este risco ao longo da pena.

4. A Depressão foi a perturbação mental, com um tratamento psiquiátrico efectivo, mais frequente entre os reclusos com acompanhamento psiquiátrico e o factor com a maior força de associação ao risco de suicídio. A sua detecção e tratamento deverá ser uma das principais prioridades dos serviços de saúde.

5. Os consumos de substâncias estavam presentes, no mínimo, em perto de um terço dos reclusos masculinos em acompanhamento psiquiátrico. Uma abordagem assertiva dirigida à abstinência de consumos, neste grupo de reclusos, será essencial para a melhor evolução destes casos.

6. Os domínios de Alojamento, Alimentação, Cuidados com o Alojamento, Álcool mostraram pontuações de necessidades não-satisfeitas muito reduzidas. No entanto, os domínios de Actividades Diárias e de Informação sobre Tratamento/Doença e sobre Subsídios Sociais merecem maior atenção dos Serviços de modo a reduzir o seu nível de necessidades não-satisfeitas.

7. O grupo de reclusas apresentou níveis de necessidades de cuidados significativamente menores, em relação aos reclusos. Os serviços prisionais poderiam utilizar a experiência mais positiva junto das reclusas e procurar aplicar um enquadramento semelhante aos reclusos, nomeadamente nas áreas de escolarização e ocupação com trabalho.

8. A avaliação individual de necessidades de cuidados no contexto prisional é exequível e fornece elementos importantes em áreas-chave para os reclusos e os serviços prisionais.

 

Consulte a versão completa da tese a partir deste link.

Partilhar